IV
ALTERNÂNCIA
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
Alternância
e Desenvolvimento
União Nacional dos
Escolas
Família Agrícola do
Brasil
Primeiro Seminário Internacionãl
Salvador, 03 a 05
de novembro de 1999
SUMÁRIO
Prefácio ................................................................................... 11
Aimé Caeckelbergh, Presidente da Solidariedade Interna-
cional dos Movimentos Familiares de Formação Rural-
SIMFR
Palavras de abertura .................................................................... 13
Carlos Cristóvão Sossai, Presidente da União Nacional das
Escolas Família Agrícola do Brasil- UNEFAB
Introdução ................................................................................ 15
Pedro Puig Calvó, Diretor Técnico da Solidariedade Interna-
cional dos Movimentos Familiares de Formação Rural- SIMFR
Seminário Internacional
da Pedagogia da Alternância:
Depoimento dos
Participantes ...................................................... 27
Nascimento e
desenvolvimento de um movimento educativo:
as Casas Familiares
Rurais de Educação e Orientação
Jean-Claude Gimonet .................................................................. 39
Conscientização e
Pedagogia da Alternância
Antônio João Mánfio ................................................................. 49
Alternãncia e
desenvolvimento pessoal: a escola da
experiência
Gaston Pineau ....................................................................... 56
Alternância e
desenvolvimento do meio
Gilbert Forgeard
..................................................................... 64
Pedagogia da alternância
e transdisciplinaridade
Américo Sommerman ................................................................. 73
Relações intemacionais
entre universidades: a politica de
abertura internacional
da França
Isabelle Hannequart .................................................................... 85
ALTERNÂNCIA E DESENVOLVIMENTO PESSOAL:
A ESCOLA DA EXPERIÊNCIA
GASTON PINEAU
Professor da
Universidade
François Rabelais de
Tours – França
Não é fácil falar com precisão e concisão do
desenvolvimento
pessoal que a Alternância pode favorecer como escola da experiência.
Pois esta é, em si mesma, mais uma escola da ação
que uma escola do discurso. Carlos Sossaï nos lembrava isto ontem à noite, na
sua
palestra de abertura marcada por sua forte
personalidade. E hoje
pela manhã, as comunicações de Jean Claude Gimonet
e Antônio Mânfio sublinharam a primazia da ação sobre a palavra.
Além de tudo, quando o
desenvolvimento pessoal vai bem, mais envelhecemos e mais sentimos o peso das ações sobre as palavras, o
que nos torna menos tagarelas. Na exposição
preparatória e
produtora que acaba de ser apresentada, os mais
jovens falaram mais alto, os mais idosos um pouco menos, e eu o mais velho, e ainda com
as dificuldades da lingua ajudando, nada. Mas hoje devo falar. E falar após e com as
testemunhas de experiências formadoras já ouvidas,
para tentar explicitar o seu significado.
Vou apresentar primeiro como a escola da
experiência sem Alternância é uma escola perigosa, dura, ambivalente. Será que
neste sentido podemos falar de escola? E porque não
de uma contra-escola? Em todo caso, ela nos questiona. Destacarei em seguida
três condições que me parecem necessárias para que a experiência desenvolva uma
personalidade : que primeiro tenha a experiência,
ou seja, o contato, a interação entre o organismo e o ambiente.
Em seguida, que haja a possibilidade de uma reflexão ativa. O objetivo
da Alternância é de construir esta possibilidade.
Ela pode ser vista
como uma "trans-escola" da experiência
visando, através e além
56
desta, o desenvolvimento de si mesma por si mesma (auto-escola),
da relação com outros em co-operação ou companheirismo
(co-
escola), e mesmo da relação com o ambiente físico (eco-escola).
Tantas aquisições a fazer reconhecer e validar
institucionalmente,
entre outras pela universidade, para que ela não
seja como uma
máquina de moer cana.
A escola da experiência sem Alternância: uma
escola " do
sem"
É bastante difícil falar
da escola da experiência, isolada sem alternância com uma escola instituída,
porque:
1- é uma escola sem palavra ou quase, com interjeições, com blasfêmias, com
constatações fatalistas : " é a vida". Na
maioria das vezes é a
escola do silêncio no enfrentamento
direto com as coisas,
com o corpo, com os outros;
2- é uma escola sem livros, sem textos para 1er, sem
papel
para escrever, mas com
muitas coisas a fazer, a suportar; é
a escola da ação
direta, da interação espontânea, das
obrigações pesadas;
3- é uma escola sem diploma para garantir para sempre a
validade da experiência, para si mesmo e para os outros;
4- é uma escola sem programa. Ela é imprevisível e pode surgir à qualquer momento sob formas diferenciadas;
5- é uma escola sem rnestre. Cada um é seu próprio mestre.
Vocês são todos meus mestres e
estão em posição e com
direito de me julgar. Falando
isto para vocês, eu passo
diante de nós meu exame. Aquilo
que vou dizer corresponde
ao que a experiência vos
ensinou?
Será ainda uma escola?
Sem muitas palavras, sem
papel, sem diploma, sem programa,
sem mestre, a experiência ainda é uma escola?
1- os super-escolarizados, estes que foram bastante à escola e
da escola até à
universidade, pensam que não: a experiência
é por demais concreta, limitada, e por demais confinada
nos limites daquele que
a vivência.
57
2- ao contrario, para os outros, estes que como se diz, viveram
muitas experiencias e ás
vezes somente isto, é a escola por excelência
pois é a escola da vida, da luta pela vida. E sobrevivendo, eles têm a impressão
de ter aprendido muito,
ainda que sintam dificuldade
em encontrar as palavras
âra dizer o que e o como.
Neste caso, é uma escola para
uns, mas não para outros. Pelo
menos é uma escola que nos questiona. Diferente da
escola instituída
em um lugar bem preciso, com mestres para ensinar,
com livros, com programas, com diplomas, com palavras e muitas vezes nada
mais que com palavras. Uma escola diferente. Será que a diferença
não vai até à oposição, à contradição? Será que a
escola da
experiência não é uma contra-escola?
Uma contra-escola?
1 - Uma escola que se coloca em oposição?
Em todo caso, ela é identificada assim
na linguagem usual:
- é a escola da ação contra a
dos estudos;
- é a escola da prática contra
a da teoria;
- é a escola das realidades
contra a dos livros.
2 - Para seus defensores ela é a única e a
verdadeira. A grande
escola da vida, validando
e invalidando as outras. Só ela é universal em última instância, transnacional,
transcultural.
Os agricultores, os homens
da terra, se reconhecem acima e
abaixo das fronteiras. Eles têm uma mesma cultura.
Uma cultura
da produção, como ainda dizia Carlos Sossaï. Uma
cultura da
prova, da experiência que eles compartilham com os
verdadeiros
cientistas, que também estão na escola da verificação
e da
experimentação.
3 - E portanto meu presidente
de Universidade que é físico,
cita um provérbio chinês para
questionar esta escola da
experiência : a experiência é
como uma bandeira, uma luz
58
que levamos nas costas. Ela
ilumina somente o passado. Se
o futuro se apresenta nas
mesmas condições, sua
iluminação será valida. Mas se
estas condições mudarem,
nas sociedades que evoluem
rapidamente, as lições da
experiência anterior não são
mais aplicáveis, pelos menos
não automaticamente, sem
reflexão critica e aprofundada
para definir o que ainda é válido, extrair o essencial do
acidental, do conjuntural.
A contribuição formadora da
experiência, também no desenvolvimento pessoal, é ligada ao tempo. "Outro
tempo, outro
costume", diz um provérbio que pretende
consignar esta
experiência do tempo.
A contribuição formadora é
também ligada à natureza da
experiência. Existem as más experiências, que ferem
até à morte, traumatizam e paralisam
para toda vida.
O terceiro fator de peso, é o das pessoas. Existem pessoas que transformam
tudo em oportunidade de desenvolvimento. Elas
fazem "fogo de todas as madeiras". Por
outro lado, existem outras
que não aprendem nada. Resistência, bloqueio
completo diante de
tudo que lhes acontece.
Ligada às pessoas, à sua
natureza, e às épocas, a experiência
não contribui automaticamente para o desenvolvimento
das
pessoas. É talvez uma grande escola da aprendizagem, mas ela
não funciona sozinha, nem automaticamente. Ela
mesma está
aprendendo. É o que procura fazer a escola da Alternância.
Tentaremos extrair deI a três condições maiores.
Três condições para que a experiência
se desenvolva pessoalmente
1-
A primeira, necessária mas não
suficiente, é que tenha experiência, ou seja, um contato direto entre o organismo e
o ambiente, encontro
entre ação/interação/transação. Não
é tão facil!
Como meus colegas franceses,
eu também vim ao Brasil. Mas
não teríamos uma grande experiência brasileira, se
não tivéssemos
59
nos encontrado, contactado, e nos interrogado.
Através deste
Seminario, graças a vocês, temos uma pequena
experiência
bràsileira. Será que ela vai ser formadora e nos
desenvolver? Não
sem a segunda condição que é a reflexão.
2-
a reflexão. Vai ser preciso
refletir, voltar explicitarnente
para esta experiência,
discuti-la, escrevê-la, para que
possamos dela tirar lições,
explicitá-las para realmente
conhecer e nos concientizar
daquilo que vivenciamos.
A escola da experiência se
expande em dois tempos: um tempo
de interação e um tempo de reflexão. Quanto mais o tempo
de
interação é forte, mais o tempo de reflexão é longo
para
compreender realmente o que foi vivido.
Estas condições nos levam a
colocar uma primeira definição.
Foi em um barzinho que eu encontrei a melhor
definição da
experiência formadora : "a experiência é como
urna professora
temível, que primeiro aplica a prova para depois dar
as aulas" .
A altemância é a vida com esta
professora temível mas super-
adorável para ser aprovado no exame da vida e
tentar compreender
um pouco o porque e o como.
3-
Para que a experiência se
desenvolva, e aí está a terceira condição, é preciso ter alternância entre a
interação e a
reflexão e em dupla altemância, nos dois sentidos. Nada
de amor sem
reciprocidade.
Para comunicar esta
reciprocidade integrada, os pioneiros
da Alternância falaram da Alternância Copulativa :
a interação
deve se associar com a reflexão. E a reflexão se
associa com a ação.
Então neste caso, atinge-se uma ação inteligente
que os gregos
chamaram práxis. Para que se tenha desenvolvimento,
tem que
passar do modelo transmissivo da educação bancária
ou da ciência
aplicada àquele do ator reflexivo se
conscientizando pela
transformação, aprendendo ao empreender. Não é uma
utopia, as testemunhas mostraram exemplos desta passagem.
60
A Alternância :
Uma trans-escola da experiência
O debate e o combate, eu diria, amoroso, entre a ação e a
reflexão desenvolve uma Altemância que pode ser
vista como uma
trans-escola da experiência. De fato, através mas
também para além
da experiência, esta Alternância integrativa gera a
si mesma como
auto-escola, as outras como co-escola e até mesmo
as coisas como
parceiro da aprendizagem (eco-escola). As relações
à si mesma, aos
outros e as coisas são transformadas. É o que escreveram os dois
porta-vozes do trabalho em grupo : José Manuel
Souza presidente da Associação do CEFFA (Centro de Formação Familiar em
Altemância)
de Coroatá do Maranhão e José Abel Magalhães de
Azevedo, egresso
dos CEFFA e agora agricultor, sobre diversos
aspectos :
Desenvolvimento de si mesmo,
apropriação da formação
" o CEFFA me ajudou a enfrentar a realidade sem esperar
tudo das autoridades. Eu tomo a iniciativa. Hoje eu
vou
à escola familiar dos agricultores e não àquela dos
padres" (J.M. Souza).
" o CEFFA foi um fator fundamental para reconquistar
uma identidade pessoal, cultural e a melhorar minha
auto-estima" (J.A.M. de Azevedo).
Desenvolvimento do
companheirismo e da solidariedade:
Esta aprendizagem inter-relacional da cooperação é
tanto
inter-geracional familiar, com seus filhos, quanto
intra-
geracional, com seus vizinhos e mesmo seu cônjuge.
" o CEFFA me ajuda a estabelecer relações com as
crianças em casa. As conversas são abertas e sobre
assuntos variados, sem medo. As crianças passam a
ser
nossos companheiros. Compartilhamos entre nós todas
as tarefas e todos colaboram em todos os trabalhos
dentro e fora da casa" (J.M. Souza).
« Com o CEFFA aprendemos com nossas
crianças e nós
nos ensinamos" (J.M. Souza).
61
"0 CEFFA me ajudou a permanecer no meio rural
junto
com meus pais até hoje" (J.A.M. de Azevedo).
« Meu engajamento social
encontra sua origem na
aprendizagem do CEFFA. Atualmente, eu sou vereador
sem deixar de ser agricultor" (J.A. de
Azevedo).
Abertura de relações mais
variadas com a terra
A terra não é mais vista como um recurso à explorar
mecanicamente, mas também a cultivar com
inteligência
e variedade.
" o CEFFA me ajuda a melhorar nossas roças. Hoje nós
plantamos várias culturas" (J.M. Souza).
" o CEFFA estimula a melhorar a cultura da terra. Eu
não uso mais queimada" (J.M. Souza).
" o CEFFA me ajudou a melhorar a propriedade, à
diversificar a cultura e a criação. Desta forma
conseguimos viver melhor" (J.A.M. de Azevedo).
" o CEFFA me ensinou a ser polivalente, a saber fazer
várias coisas, à utilizar técnicas de cultura e de
criação
de animais, à utilizar máquinas e os equipamentos,
a
transformar certos produtos, e a não ter medo de
enfrentar a realidade atual que muda
rapidamente"
(J. A.M. de Azevedo).
Estas expressões diretas de
experiências dos agricultores,
antigos alunos e/ou responsáveis do CEFFA, atestam
contribuições pessoais, sociais e ecológicas que a articulação da reflexão com
suas ações desenvolvem. Estas contribuições
constituem aquisições
que necessitam de um reconhecimento social e
institucional para
realizar-se plenamente através e além das pessoas.
Este
reconhecimento sócio-institucional das experiências
pessoais
adquiridas é o próximo passo a realizar para operar a passagem
do paradigma descendente da ciência aplicada ao
ascendente do
prático reflexivo.
62
O reconhecimento e validação institucional
das aquisições experienciais
Este passo do reconhecimento
institucional das aquisições experienciais é uma grande etapa à realizar. É mesmo uma grande
luta que começa em múltiplas frentes, pedagógica,
metodológica, epistemológica mas também jurídica e institucional. Estas frentes
vem sendo abertas diferenciadamente conforme os países.
Por
exemplo, na França, uma lei relativamente recente
(1992) dá direito
a todo adulto tendo mais de cinco anos de vida
profissional poder
dar entrada a um processo de validação escolar e
universitário de
suas aquisições experienciais. A aplicação desta lei
exigirá décadas
para se operar de maneira justa e pertinente.
Por isto esta luta não acabou.
Ela está apenas começando.
Mas hoje, eu tenho a impressão que este encontro
entre nós e entre
os dois grandes movimentos educativos da
Alternância e da conscientização, marca um momento historico. Eis porque a
Pedagogia da Alternância pode também ser a
Pedagogia da
Esperança.
BIBLIOGRAFIA
COURTOIS Bernadette, Pineau
Gaston (Coord.) 1991,« La formation expérientielle des adultes », Paris, la Documentation française.
DEMOL Jean-Noël, Pilon
Jean-Marc (Coord.) 1998, « Alternance, développement personnel et local », Paris, Montreal, l'Harmattan.
GEAY André, 1998, « L'école de l'alternance », Paris, Montreal, l'Harmattan.
PINEAU Gaston, Liéard Bernard,
Chaput Monique (Coord.) 1997,
« Reconnaître les acquis.
Démarche d'exploration personnalisée », Paris. L'Harmattan.

SUMÁRIO
Apresentação
Aimé Caeckelbergh,
Presidente da Solidariedade Interncional dos
Movimentos Familiares
de Formação Rural - SIMFR ...................... 11
Prefácio
João Batista Pereira de
Queiroz, Doutor em Ciências Sociais, Professor da Universidáde Católica de
Brasília - UCB
...........................................................................................................
13
Palavras de abertura
Carlos Cristóvão
Sossai, Agricultor Familiar, Presidente da União
Nacional das Escolas
Famílias Agrícolas do Brasil - UNEFAB .......... 15
A Formação entre o Desenvolvimento Sustentáve1 e o Desenvolvimento Humano.
Teresa Ambrósio ...................................................................... 20
A Maison Familiale Rurale do Granit
Daniel Lambert ........................................................................ 33
Escolas Familias Agricolas e Universidade do Estado da
Bahia: uma parceria no contexto da Pedagogia da Alternância.
Norma Neyde Queiroz de
Moraes ................................................. 43
AIternância e formação universitária: o MST e o curso
Pedagogia da Terra.
Edgar Jorge Kolling .................................................................. 54
Formaçoes universitârias em alternância no Canada e na
França.
Gaston Pineau .......................................................................... 62
Formação universitaria em alternância em Portugal
Maria do Loreto Paiva
Couceiro ................................................. .79
9
FORMAÇÕES UNIVERSITÁRIAS EM ALTERNANCIA
NO CANADA E NA FRANÇA
GASTON PINEAU
Universidade François Rabelais de Tours – França
Mesmo se em termos de
habitantes reunidos, o Canadá e a França só chegam a um pouco mais da metade dos
habitantes do Brasil (90 milhões contra 170 para o Brasil),
são países, todavia, bastante complexos e diferentes.
Vocês entenderão que em
meia hora, só será possível sobrevoar
a situação de suas
formações universitárias em alternância. Principalmente que no final ainda
gostaria de estender a geografia e advogar em favor da construção de uma rede
universitária
transatlântica -
América do Norte, Europa, América do Sul - para
a pesquisa-ação sobre a
alternância. Em 10 anos, marcos suficientes foram colocados para que este
projeto de rede inter-universitária internacional sobre a alternância não seja
mais uma utopia mas sim,
um outro pequeno passo
a fazer em favor de um desenvolvimento sustentável.
Nós partimos então para
uma breve viagem, sobrevoando as
formações universitárias
em alternância:
- no Canadá com um
enfoque sobre o Quebec;
- na França;
- e em seguida no
espaço transatlântico: América do Norte -
América do Sul -
Europa.
Esta viagem torna-se
possível graças a um certo número de encontros e de produções anteriores. Para
a situação atual da
Formação Universitária
em Alternância no Canadá, Québec e na
França, apoiar-me-ei
principalmente sobre uma obra recente
coordenada pelo
quebequense Carol Landry, "A Formação em alternância. Estado das práticas
e das pesquisas", Montreal, PUQ,
62
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
2002. Para a terceira
parte trabalharemos a partir de um quadro dos colóquios e produções dos 10 últimos
anos.
I - Sobrevôo das Formações
Universitárias em
Alternância no Canadá e
no Quebec.
Em superfîcie, o Canadá
é um pouco maior do que o Brasil:
10 milhões de km2 contra 8,5 milhões. Mas em termos de população, representa
apenas 1/5 do Brasil: 30 milhões contra 170 milhões.
Como o Brasil,
é um estado federal mas com apenas 10 provincias contra 24 para vocês. Em princípio, é um
país bilíngüe com 7
milhões de francófonos
concentrados principalmente na Província de Quebec.
I - 1 Ensino cooperativo universitário
no Canadá
Em Inglês, fala-se de
ensino cooperativo e não de formação em alternância. Si as duas expressões se
referem a uma mesma visão de articulação entre traba1ho e estudo, a expressão
inglesa de cooperação destaca a dimensão social de operações a serem feitas no
máximo juntos; em parceria; a expressão francesa destaca a dimensão tem-
poral. Estas operações
sociais de estudo e de trabalho realizam-se
em tempos diferentes a
serem conjugados. As duas expressões nos lembram então duas dimensões -
temporal e social - atuantes nestas formações misturando trabalho e estudos. Nós
as reencontraremos
no final.
Nascimento
(Reconhece-se geralmente o ano de 1957 como sendo o inicio
do movimento do ensino cooperativo nos estabelecimentos de estudos pós-secundários
no Canada) e é no estabelecimento de ensino conhecido hoje pelo nome de
Universidade de Waterloo que ele nasceu. No meio dos
63
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
anos de 1950, a região
de Waterloo foi o teatro de um forte crescimento nos setores industrial
e manufatureiro. Uma coalizão de empreendedores, de gestores e de moradores da
região, a maioria sendo atrelados às sociedades com sedes administrativas nos
Estados Unidos, reuniram-se para formar uma universidade especializada em
tecnologia. Em razão de sua composição, este grupo estava consciente, ao mesmo
tempo, do movimento existente de ensino cooperativo nos Estados Unidos e de sua
forma britânica paralela chamada "ensino sanduiche" principalmente
associada à engenharia, às
ciências e às tecnologias (McCallum e Wilson, 1988). Este
grupo conseguiu fundar um estabelecimento dotado de um programa de engenharia, baseado
no ensino cooperativo e, em julho de 1957, este novo
estabelecimento acolhia setenta e cinco estudantes de engenharia num programa
de ensino cooperativo" (Van
Gyn G., Grove White E., 2002,
p. 52).
o ensino cooperativo universitário canadense nasceu desta
maneira no meio
industrial, cruzando a influência conjugada do
ensino cooperativo
nascido nos Estados Unidos no início do século
XX e do "sandwich
learning" ing1ês dos anos 1950.
"O modelo de ensino cooperativo se expandiu rapidamente no
início dos anos sessenta) primeiro na Universidade de Sherbrooke no Quebec
(Engenharia e Administração de Negócios, 1966)) na Universidade
Memorial de Terre-Neuve (Engenharia, 1968), na Universidade de Regina
em Saskatchewan (Engenharia, 1969)
e no Colégio Técnico da
Nova-Escócia (Arquitetura, 1970)"(Van
Gyn G., 2002, P. 52).
No Quebec, será por
acaso que nesta mesma região de
Sherbrooke se
implantaram as Casas Familiares Rurais em
1999?
"Em 1973,
os membros de 15 estabelecimentos
de ensino reuniram-se para formar a ACDEC (Associação Canadense de Ensino
Cooperativo). Este organismo profissional foi criado para oferecer aos educadores, aos diretores de estabelecimento, aos empregadores e aos
64
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
estudantes um fórum
para trocar idéias e experiências: se traniformou numa fonte de informação para
aqueles que se interessam ao modelo de ensino cooperativo. Em 1977, a ACDEC constituiu um conselho oficial para coordenar a qualidade dos
programas de ensino cooperativo pós-secundários no Canadá, e para atribuir o reconhecimento aos programas que respeitavam as normas que ela tinha
aprovado" (Van Gyn G., 2002, p. 53).
Desenvolvimento
Em 2000 – 2001, o ensino
cooperativo está sendo oferecido em 50 das 94 universidades
canadenses, ou seja, mais da metade. Atinge mais de 50 áreas de estudos profissionais tanto práticas quanto teóricas
e èstaria sendo seguido por mais ou menos 10% dos estudantes universitários. Não
a maioria. Mas, está em pleno desenvolvimento.
"Os empregadores
consideram cada vez mais os programas de ensino cooperativo como sendo
instrumentos privilegiados de recrutamento...O desafio que se impõe... consistirá em manter o controle da prática do ensino cooperativo e em zelar para que a ligação
entre a aquisição dos conhecimentos teóricos e a experiência no meio profissional
do estudante seja mantida" (Van
Gyn G., p. 78). A ACDEC a isto se
dedica.
Organização
Os autores apresentam
em seguida modelos de programas de estudos, modelos organizacionais, modos de
financiamento, os
desafios e a organização
nacional e internacional deste ensino
cooperativo universitário.
A Associação Canadense
de Ensino Cooperativo (ACDEC) (p.
52-53) e (p. 75
-76) faz parte da Associação de Educação Cooperativa (CEA) estabelecida nos
Estados Unidos.
Para ser reconhecido
por esta associação, precisa-se respeitar os
seguintes critérios:
65
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
1. "O estabelecimento de Ensino propõe e/ou aceita o estágio
mais favorável à aprendizagem,
2. O estudante que participa do programa efetua um
trabalho
útil e não está
confinado num papel de observador,
3. O estudante é remunerado pelo seu trabalho,
4. Os progressos no trabalho são seguidos pelo
estabelecimento,
5. O empregador supervisiona o trabalho do estudante e avalia
seu rendimento,
6. O tempo dedicado aos estágios representa em média
50% do
tempo dedicado aos estudos e nunca menos de
30%" (Van
Gyn G., 2002,
p. 52).
I - 2 Ensino Universitário Cooperativo
ou Alternância
trabalho / estudos no Quebec
No seu capítulo sobre a
construção da Alternância no Quebec, Carol Landry esclarece primeiro que em nível
universitário fala-se sempre de ensino cooperativo, de regime ou de sistema
cooperativo enquanto nos outros níveis, a alternância trabalho / estudo (ATE)
se torna a expressão
consagrada. Esta expressão (ATE) foi lançada
em 1986 por um programa
de subvenção do Governo Federal (p.
13).
"No meio universitário,
o ensino cooperativo é muito concentrado em alguns estabelecimentos
e disciplinas. De fato, constata-se que no meio
dos sete
estabelecimentos participantes, mais de três quartos dos projetos (49 de 66) acontecem
somente em 2 universidades: Sherbrooke, a instituição francófona mãe
deste tipo de formação e Concórdia para as universidades anglófonas... Além
disto, as ciéncias puras e aplicadas representam aproximadamente 70% dos projetos
em curso. Esta concentração do ensino cooperativo, principalmente nas
disciplinas das ciências aplicadas e em uma medida menor nas ciências de
administração, corresponde, grosso modo, ao que acontece em outros lugares,
tanto no Canadá auanto nos Estados Unidos" (p. 17).
66
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
O efetivo dos estudantes representaria 3,6% dos alunos
universitários. Três vezes menos, então, que a média canadense.
Landry comenta que se a
Alternância ocupa bastante terreno no
discurso institucional,
ela encontra, todavia, dificuldades para se implantar massivamente. A amplitude
e a complexidade dos desafios levantados pela institucionalização universitária
da alternância
explicam esta lentidão.
De fato, esta institucionalização universitária
da alternância não
coloca somente problemas pedagógicos internos
para as universidades.
Ela levanta também problemas interorganizacionais de mudança de relação com as
outras
organizações do meio.
Instituir uma alternância produtora de novos saberes científicos implica, para
as universidades, passar de uma
relação epistemocrática
de superioridade para uma relação de cooperação: ensino cooperativo. Precisa
tomar consciência do
sentido das palavras. Não
é fácil quando estas são carregadas pesadamente de mudanças de comportamento.
O ensino universitário cooperativo alternante supõe que os
representantes dos organismos profissionais não podem ser mais considerados como simples
operadores, como simples
acompanhantes para
enquadrar os estudantes. Devem tornar-se cooperadores, parceiros nesta nova
produção de novos saberes. Não
se trata apenas de uma
nova maneira - um pouco mais prática e
aplicada - de consumir
cursos, saberes disciplinares clássicos. Trata-
se de inventar, de
construir institucionalmente novas relações sociais
de produção de saberes.
Novas relações sociais onde universitários
e profissionais são
considerados como produtores de saberes. Não
dos mesmos saberes. Nem
da mesma maneira. E é porque são
diferentes que sua cooperação
é necessária para a produção de saberes complexos, novos, pertinentes para
tratar os problemas novos,
colocados por um mundo
em mudança, móvel, em movimento
perpetuo.
Em relação às pesquisas
sobre as condições em parceria de uma formação alternante cooperativa,
produtora de saberes, Carol
Landry estabelece uma
tipologia dos parceiros da alternância: (p.
36-40) (cf: tabela):
67
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
- 0 parceiro produtor -
empreendedor;
- 0 parceiro patrão -
empregador;
- 0 parceiro papi -
filantropo;
- 0 parceiro
profissional - formador
O parceiro produtor - empreendedor é, antes, mobilizado
pela produção a ser assegurada segundo uma lógica econômica onde a alternância
permite uma seleção dos melhores candidatos. Ele
mantém relações
privilegiadas, principalmente formais e funcionais, com os parceiros,
principalmente administrativos, da escola.
Os objetivos do
parceiro patrão-empregador ultrapassa os horizontes de seleção imediata para
visar o controle máximo dos dispositivos da alternância segundo
uma lógica político-econômica
de alternância -
marketing. Suas relações principais são de tipo institucional e estratégico com
os fortes parceiros sociais implicados: estado e sindicatos.
O papi - filantropo enxerga na alternância, em primeiro
lugar,
um meio de ajudar na
inserção profissional dos jovens. Neste
objetivo e lógica, e1e
mantém relações pessoais com o alternante e
os parceiros pedagógicos.
O parceiro profissional - formador se concentra sobre a
eficácia
da formação. Discute
isto profissionalmente com o alternante e os parceiros pedagógicos, trabalhando
a integração da contribuição experiencial deste tempo terreno no processo de
conjunto da
formação.
68
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
Tabela n° 1 - TIPOlOGIA DOS PARCEIROS DA AlTERNÂNCIA
(Extrato de C. Landry, 2002, La formation en alternance. Etat des pratiques et
des recherches, Montréal, Presses de l'Université du Québec, p. 36 - 41)
Elementos da Alternância
Tipo de parceiros
|
Objetivo
|
Lógica
|
Tipo de relaçõe
|
Productor-empreendedor
|
Produção imediata
|
Relações formais e funcionais com os parceiros escolares
|
Lógica econômica de uma alternância produção/seleção
|
Patrão - empregador
|
Controle dos dispositivos da
alternância
|
Relações estratégícas com parceiros sociais (Estado Sindicatos)
|
Lógica político-econômica de uma alternância-marketing
|
Papi-
filantropo
|
Humanista
e civico
|
Relações personalistas com os alternantes e
os parceiros pedagógicos
|
Lógica social e cidada de uma alternância /
inserção
|
Profissional-formador
|
Eficácia
da
formação
|
Relação profissional
com o
altemante e
os parceiros pedagógicos
|
Lógica experiencial de uma alternância formação
permanente
|
Esta tipologia das possíveis
parcerias que implica a
institucionalização da
formação universitária em alternância
demonstra que esta
formação não levanta somente problemas pedagógicos internos às universidades.
Ela levant a tambén
problemas, diria, ecológicos,
de construção de novas relações entre
a universidade e o meio
e, mesmo ainda mais globalmente, entre economia e educação.
69
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
A terceira parte da obra coordenada por Landry estuda a
institucionalização destas formações em alternância de um ponto
de vista macrosocial,
na busca de novas relações entre educação e economia. Esta abordagem educativa
é indissociável de perspectivas interinstitucionais e sócio-econômicas. Esta
terceira parte começa
pondo marcos teóricos
extremamente interessantes para abordar
este megaproblema das
relações entre educação e economia posto
pela alternância. Ao
lado das grandes abordagens estruturais, P.
Doray et B. Fusulier
por exemplo, optam por uma abordagem das negociações constituintes que permite
entender melhor a evolução
das políticas e das
estratégias de atores na construção social da alternância. E com essa
abordagem, eles analisam de maneira comparativa dois dispositivos de
alternância no Quebec e na Bélgica.
Como, na França, se
constrói socialmente a formação
universitária em
alternância?
II - A formação universitária em alternância na França
Para ter uma idéia geral
da situação francesa, basear-me-ei no capítulo de dois especialistas pioneiros
oriundos das Casas Familiares Rurais, hoje docentes pesquisadores universitários
em Lille. Trata-
se de Jean Clénet et
Jean-Noël Demol. Muitos já conhecem Jean-
Noël Demol, que estava
presente no Primeiro Seminário
Internacional em
Salvador.
(Desde o início do século XIX, a formação dos engenheiros, nas
grandes escolas
francesas, continha estágios de "terreno" (Girod de l'Ain, 1974). Mas, progressivamente, o campo
dos estudos teóricos se fortaleceu. Estes se impuseram no "ambiente
fechado da universidade ou da escola superior"(Girod de l'Ain, 1974, p. VI). Só os alunos dos institutos universitários de
tecnologia (IUT)) criados em 1965, devem ir em estágio
durante seus dois anos de estudo.
Somente a partir dos
anos 1990, a Universidade Francesa fez um grande esforço de
abertura para o mudo profissional. Citam-se dois exemplos: as novas formações de engenheiros pela
aprendizagem (fileira
70
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
Descompes) e a criação
dos institutos universitarios profissionalizados (IUP, criados em 1992). Paralelamente, vários diplomas benificiaram da prática de estágios:
diplomas de engenheiros, DESS (Diploma de Estudos Superiores Especializados) e
mesmo alguns diplomas mais clássicos (licenciaturas, mestrados). A criação das
licenciaturas profissionais a partir de 1999 só
faz acelerar este movimento.
Convém precisar que
fora algumas formações específicas, a Universidade se abre para a prática dos
estágios. Dai a dizer que altas estratégias de alternância contendo concepções
de formações adaptadas ao mundo profissional, estratégias pedagógicas e modos
de avaliação específicas se desenvolvem, ainda há um caminho a percorrer. Todavia,
precisa sublinhar o esforço extremamente importante de algumas
universidades . E, por exemplo, o caso da Universidade
das Ciências e Tecnologias, em Lille, USTL, Lille I, que acolhe um público
muito
numeroso em formação
continua e que se presta ao jogo da "grande alternância", períodos de
trabalho e de formações longas" (Clénet J., Demol J.C.,
2002, p. 54).
É esta grande alternância da formação contínua
universitária
que gostaria de comentar
um pouco. Ela me parece, de fato, muito diferente da pequena alternância que
começa a se infiltrar nos di·
plomas da formação
inicial pela introdução de estágios. Parece-me
que a principal
diferença, mas de onde vão decorrer as outras depois,
é o estatuto
do alternante.
Na pequena alternância
da formação inicial, o alternante socialmente, é primeiro
um estudante que faz estágios. E os estágios representam no máximo 50% do tempo
de estudo e, muitas vezes, menos. Ele tem uma bagagem experiencial leve.
Na grande a1ternância
da formação contínua, o alternante socialmente é primeiro
um não-estudante, um adulto no trabalho
ou sem trabalho, que
retoma estudos com uma bagagem experiencial pesada. Qualquer que seja a freqüência
dos tempos de estudo, esta bagagem experiencial é pesada
e faz contrapeso a toda aprendizagem priorizando os saberes disciplinares. Os
adultos chegam com
71
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
problemas experienciais
a serem resolvidos - profissionais ou existenciais. Se o tempo
de estudo não abre primeiro um espaço/
tempo de expressão
destes problemas, sua pressão semi-consciente bloqueia ou dificulta a abertura
do alternante para o acréscimo de informações externas. As informações
externas só têm sentido
quando elas ajudam a
tratar os problemas experienciais veiculados
pelos adultos. Tratar
estes problemas experienciais numa formação universitária longa, alternante,
supõe transformá-los em projeto de pesquisa-ação-formação, garantindo o vai
e vem entre terrenos e
livros.
A formação contínua em
alternância acontece fazendo uma pesquisa sobre as ações-problemas. É uma
atitude ativa de produção de saberes, uma atitude que se apropria o poder
de aprender
empreendendo uma
pesquisa, uma reflexão sistemática e armada,
sobre um problema
pertinente. É uma auto-formação por co-
produção de saberes.
No livro do Primeiro
Seminário, Jean-Noël Demol específica c1aramente esta engenharia de formação
contínua por alternância a partir de um diploma de Tours: o DUHEPS.
O mestrado Formação
e Desenvolvimento
Sustentável foi construído nesta dinâmica de formação por produção de saberes.
De um ponto de vista
mais amplo, a curta história pedagógica
da formação contínua
universitária na França, que tenta inserir
períodos de estudo no
emprego do tempo sócio-profissional dos
adultos, destaca três
modelos:
• O modelo da oferta de
cursos pré-existentes nos anos
de 1970, pela
simples extensão do ensino disciplinar em tem-
pos "livres"
dos adultos (noite, fim de semana). Periodo dos
catálogos das formações.
• O modelo de abertura à demanda
nos anos de 1980
pela criação de
diplomas apropriados interdisciplinares: DU
e DESS. O DUHEPS nasceu
neste período.
• A emergência de novas
contratualizações para construir
72
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
modelos de parceria de
formação-ação-pesquisa universitária,
de produção de saberes
em comum. Chega-se numa fase transdisciplinar, na medida em que não são mais
somente as disciplinas que são visadas, mas os saberes de ação
desenvolvidos pelas práticas
profissionais e experienciais. A
lei recente sobre a
Validação dos Adquiridos Experienciais
(VAE) é um Cavalo de Tróia. A aplicação desta lei, que
representa uma revolução epistemológica para a
Universidade, implica a
mudança radical do modo de
trabalho universitário.
Esta mudança de modo de
trabalho universitário que implica a partilha do poder e do saber formar
inerente a uma formação
alternante cooperativa é uma
mudança paradigmática a longo prazo. Esta visão dos dois lados do Atlântico
Norte demonstra que esta mudança já começou há várias décadas e que e1a tende a
desenvolver-
se na formação inicial.
A institucionalização progressiva da formação contínua universitária deveria
fortalecer este desenvolvimento de
todo o peso
considerável da formação experiencial dos adultos.
Este segundo seminário
no Brasil sobre a pedagogia da alternância é um indicativo forte da presença
ativa deste movimento sócio-educativo na América do Sul. Para não se lançar
numa mundialização unicamente competitiva, está na hora de medir nosso
parentesco e
de construir pontes transatlânticas
para desenvolver ações
comparativas de pesquisa-formação
em alternância.
Éis porque no final
desenvolverei a proposta de criar uma rede interuniversitária internacional de
formação-pesquisa em alternância.
73
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
III. Por uma Rede Interuniversitaria
Internacional de
Formação - Pesquisa em
Alternância (RIIFRA)
Permito-me fazer a
proposta da criação desta rede internacional apoiando-me:
1. Sobre o objetivo geral do colóquio através, principalmente,
do terceiro objetivo
específico: consolidar a articulação dos universitários e dos profissionais da
alternância;
2 Sobre o processo de desenvolvimento
desta articulação já
em curso há uns dez
anos. Lembrar os principais mo-
mentos e elementos e
explicitar as principais característi-
cas pode permitir
consolidar este movimento;
3 A composição nacional e internacional deste
seminário.
Juntando representações
da América do Norte, da América
do Sul e da Europa, ele
constitui um momento estraté-
gico para realizar mais
um passo nesta articulação já em cur-
so, for malizando-a na
forma de rede.
Sobrevoei os dez anos
de história deste desenvolvimento na for-
ma da tabela seguinte.
Destacam-se os principais encontros-colóqui-
os, com suas principais
produções.
Esta tabela representa
somente os grandes momentos e elementos indicadores deste processo de articulação
universitários /
profissionais da
alternância. Gostaria de comentá-la, destacando duas características deste
processo: a alternância e a cooperação. Respeitar estas duas características me
parece condição maior para consolidar
o desenvolvimento e
torná-lo duradouro, se possivel.
1a característica: A alternância co1óquio-produção
Não há desenvolvimento
se os encontros sociais de formação e
de informação não forem
acompanhados por produções escritas.
Mas, a alternância é
mais complexa que um modelo em dois tem-
pos. Referindo-me aos
três movimentos do método da alternância destacada pela UNEFAB, diria que o
processo de articulação
74
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
universitários-profissionais
da alternância deve fazer atuar de maneira integrada a Ação-Formação-Pesquisa.
Tanto para os universitários quanto para os profissionais da alternância, diria
que é a pesquisa
que pode ser a ligação
entre a ação e a formação. Não ha formação
sem transformação de um
problema de ação em projeto de pesquisa.
E a ação isolada não é formadora
sem pesquisa, no sentido amplo, incluindo a reflexão mais ou menos ancorada e
sistemática. Esta
tabela, então, só tem
sentido se acrescentar as múltiplas ações-interações-retroações pessoais e
sociais que possibilitaram estes encontros e estas produções. Homenagem, então,
a todos os atores
e atoras desta sala que
representam os milhares de pessoas implicadas
e portadoras deste
processo de articulação. Os ausentes não devem, todavia, fazer esquecer os
grandes organizadores que conceberam
este segundo seminário.
Citarei os dois mais implicados: João Batista Pereira de Queiroz e Pedro Puig.
Tabela n° 2
COLÓQUIOS E PRODUÇÕES UNIVERSITÁRIAS
TRANSATLÂNTICAS SOBRE A ALTERNÂNCIA - 1990/2002
COLÓQUIOS
1990 - Tours (França) — Primeiro Colóquios
A FORMAÇÃO POR PRODUÇÃO DE SABERES
1993 - Tours (França) — Segundo Colóquios A ALTERNÂNCIA
|
|
PRODUÇOES
1993 – CHARTIER D., LERBET G. (Coord.)
La formation para
production de savoir. Paris, L'Harmattan, 265p. (Coleção Alternances et
Développments).
1993 – Educação permanente, n° 115
L'alternance
1998 – GEAY André, L'école de l'alternance
Paris, L'Harmattan
|
75
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
COLÓQUIOS
1996 – Rimouski
(Québec, Canada) — Coloquio A ESCOLA DA
EXPERIENCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESSOA ET DA COLETIVIDADE NO MEIO RURAL
1999 – Salvador (Brasil) —
1° Seminário
Internacional
ALTERNÂNCIA E DESENVOLVIMENTO
2002 – Brasília (Brasil) —
2° Seminário
Internacional
FORMAÇÃO, ALTERNÂNCIA E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTAVEL
2002 – Paris (França) —
1° Conferência
Internacional do Centro de Estudos e de Pesquisa
para a Alternância
no Ensino Superior
(CERALTERS — CCI
Paris).
A ALTERNÂNCIA ENSINO SUPERIOR
|
|
PRODUÇOES
1998 – Demol, J.N., Pilon J.M.,
L'alternance,
développement personnel et local, Paris, L'Harmattan, 271 p. (Coleção
Alternances et Développments)
1999 – Revue Française de
Pédagogie, n° 128.
L'alternance pour
une approche
Complexe
2000 – PINEAU G., Temporalités en formation.
Vers de nouveaux synchroniseurs 1, Paris, Anthropos,
2002, UNEFAB.
2002 – UNEFAB, Pedagogia da Alternância,
Alternância e
Desenvolvimento
Brasília,
Dupligráfica Editora
2002 – Ambrósio Teresa, Educação
e desenvolvimento.
Contributo para
una mudança
reflexiva da educação.
Lisboa,
Universidade Nova de
Lisboa, 235 p.
2002 – Landry Carol (Coord.). La formation
en alternance. Etat des
pratiques et des
recherches.
Montreal, Presses
de l'Université du Quebec, 350 p.
|
Nota ______________
1 Este livro foi traduzido
para o português: "Temporalidades na formação. Rumo
a novos sincronizadores",
tradução de Lúcia Pereira de Souza, Triom, 1a ed.,
São
Paulo 2004
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
2a caracteristica — a cooperação
A segunda grande
característica que me parece condição de desenvolvimento é a cooperação. A
alternância é uma educação cooperativa e querer desenvolvê-la sem cooperação é
um contrasenso estéril. Cooperação complexa em múltiplos níveis: interpessoal,
regional, nacional, internacional.
- Interpessoal: é o nível básico que é o suporte
de todos
os outros e que sozinho
permite gerir a complexidade. Se
não estiver feliz em
trabalhar juntos, não se irá longe. Retornando sobre a minha história de
articulação com os profissionais de alternância é a principal lição que eu
tiro.
- Na região do centro
da França é a articulação Chartier/
Lerbet que criou nos
anos 70/80,
ao mesmo tempo, penso,
o Centro Pedagógico
Nacional das Casas Familiares de Chaingy e o Departamento das Ciências da
Educação e da Formação da Universidade de Tours.
- Nos anos 90, acredito
ser a articulação Gimonet-Pineau que consolida esta cooperação em nível
regional, em nível nacional e a estende em nível internacional; primeiro, em
Lisboa, com o par T. Ambrósio - M. L. Couceiro e a criação
de seu Mestrado no início
dos anos 90; depois no Quebec
com o seminário de
Rimouski em 1996 e a fundação da 1a
Casa Familiar com o par
André Campeau - Daniel Lam-
bert.
- No final dos anos 1990 e início
dos anos 2000, o desenvolvimento internacional desta articulação
universitário/
profissional da alternância se estende ao Brasil
e à América
do Sul: os dois seminários e o Mestrado for-
mam os meios para isso.
Mas, a complexidade
destas cooperações regional/ nacional/ internacional é tal que aparece a
necessidade de organismos terceiros: associações como SIMFR (Solidariedade
Internacional dos
Movimentos Familiares
de Formaçao Rural) e AIMFR (Associação
77
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
lnternacional dos
Movimentos Familiares de Formação Rural). Os atores multiplicam-se em cada nível,
em cada um dos dois pólos universitários/ profissionais. Felizmente emergem
terceiros
mediadores em nível
internacional. E em nível nacional do Brasil, cogita-se o projeto
de um Centro Pedagógico Nacional da
Alternância.
Parece-me que, do lado
universitário, a complexidade começa a crescer tanto no plano regional/
nacional e internacional que é preciso fazer um pequeno passo de organização mínima:
é a razão pela qual proponho a criação desta rede que, pelo menos no Brasil,
teria como objetivo a retomada deste Mestrado Formação e Desenvolvimento
Sustentável catalisador. Segundo objetivo: cooperar com os profissionais da
alternância, dos CEFFAs (Centros Familiares de Formação em Alternância) para
desenvolver formações-pesquisas pertinentes. Terceiro objetivo: desenvolver um
modelo de
alternância além do
rural, como alternativa ao modelo escolar e
universitário.
Em noite anterior, em
um encontro com os estudantes do
Mestrado, Pedro Demo,
como praticamente todos os analistas, estabeleceu um diagnóstico muito negro do
ensino. Os intervenientes anteriores neste seminário, José Eli da Veiga, Teresa
Ambrósio,
Edgar Jorge Kolling e
Norma Neide Queiroz de Moraes nos
mostraram a amplitude
dos problemas, mas também pistas tanto
para o desenvolvimento
sustentável quanto para a formação. Em cooperação interprofissional, regional,
nacional e internacional e
em alternância de ação-formação-pesquisa,
a pedagogia da alternância
já constrói uma
alternativa que nos mobiliza. Nos cabe desenvolvê-
la com inteligência e
audácia.
78
_____________________ II Seminário
Internacional da Pedagogia da Alternância
FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA EM
ALTERNÂNCIA EM Portugal
MARIA DO LORETO PAIVA COUCEIRO
Universidade Nova de Lisboa - Portugal
Introduçao
É com muito gosto que
estou a participar neste Seminário.
Se considero estes
encontros sempre extremamente
enriquecedores,
participar neste Seminário do outro lado do
Atlântico - e para mim
é a primeira vez - juntando, para além dos
muitos participantes
brasileiros, participantes de outros países da América Latina, da França, do
Canadá, de Portugal, é um enorme privilégio.
Além disso não se trata
de um encontro muito comum, na
medida em que reúne,
numa mesma busca, investigadores e pessoas
da intervenção no
terreno, sendo estas próprias, aliás, as primeiras instigadoras do evento.
Penso haver aqui algo
de extremamente desafiador, significando
e pressupondo uma
postura epistemológica, ou seja, uma postura
em relação ao
conhecimento, profundamente enraizada nos
paradigmas emergentes
sobre a educação e a formação, sublinhando
que é na alternância
entre teoria e prática, entre saberes teóricos e científicos e saberes da ação,
que a nossa compreensão da realidade pode aprofundar-se e o conhecimento
enriquecer-se.
Trabalho
profissionalmente no campo da Educação e da
Formação, na Universidade
Nova de Lisboa. Mas mantenho também uma ligação estreita a contextos não
universitários onde a formação de adultos é uma dimensão central da sua ação,
em particular, entre
outros, no âmbito do
GRAAL, Movimento internacional de
mulheres, de raiz cristã,
de que faço parte, e no quadro da ANEFA, Agência Nacional de Educação e Formação
de Adultos, onde tenho
sido convidada a
intervir.
79
140
4.3
AS
RELAÇÕES ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO
ÂMBITO
DA EDUCAÇÃO PERMANENTE l
Gaston
Pineau2
O problema das relações entre a teoria e a prática no âmbito da educação permanente
revela-se importante e complexo. A nosso ver,
ele
nos projeta para a construção do nosso próprio futuro.
Gostaria primeiramente de colocar essa problemática
dentro
de uma
rápida perspectiva histórica. Em seguida, proporei três
pistas
de reflexão:
1. Um questionamento sobre a educação permanente e as
relações
complexas num duplo sentido que nos parece apropriado chamar de teoria e prática.
______________________
l Palestra realizada em 10 de janeiro de 2002, no Centro
Pedagógico da
Universidade Federal do Espírito Santo. Texto
originariamente escrito em
francês apresentado com tradução simultânea.
Traduzido pelo professor João
Assis Rodrigues, doutorando em Ciências da Educação
da Universisité
Catholique de Louvain-La-Neuve Belgique e membro do
Grupo Pesquisa em
Ciências da Educação (GREPCEA) França. Colaboraram
na leitura e correção
do texto Inês Bareel (Bélgica) e Américo Somerman
(São Paulo).
2Professor Doutor da Universidade de Tours da França.
Cadernos
de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
141
2. Retomarei um modelo antigo, desconhecido, de
educação permanente, estruturando as relações entre a teoria e a prática de
forma bastante
preponderante.
3. Finalmente, evocarei estudos mais modernos
sobre a
construção do sistema
"interface" para abordar as relações
alternantes, num duplo
sentido, entre a teoria e a prática
conduzidas pela educação
permanente.
RÁPIDO POSICIONAMENTO HISTÓRICO DO PROBLEMA
A
educação permanente é uma prática e uma idéia —
podemos mesmo considerar
uma teoria — muito antiga. Nas
culturas tradicionais, diz-se
que os sábios são os antigos, pois eles aprenderam por muito mais tempo (pelo
longo tempo de vivência)
em permanência.
Na
primeira metade do século XX, a institucionalização de uma educação formal
inicial - sob a forma de uma escola - inibiu e fez esquecer a permanência. Pensávamos
que todo o saber importante poderia ser abstrato, concentrado teoricamente e transmitido
formalmente nos primeiros anos de vida — infância e adolescência. A idade
adulta consiste em aplicar nas práticas profissionais esses
saberes teóricos
adquiridos na escola. Na relação entre a teoria e a
Cadernos
de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
142
prática, a
institucionalização da escola construiu uma relação relativamente simples:
descendente e em sentido único (Fig. 1).
Teoria
↓
Prática
Figura 1 Relação em sentido único
Na
segunda metade do século XX, a evolução acelerada das práticas profissionais,
técnicas, científicas mas também
socioculturais criaram a
necessidade de uma educação
permanente. Em 1972, a
UNESCO, após um estudo internacional
sobre a educação,
considerou a educação permanente como o
princípio organizador das
práticas educativas futuras e explicitou
as grandes linhas no
documento "Aprender a ser".
Mas
essa abertura da educação para todas as idades e
setores levanta uma série
de questionamentos profundos, inclusive
sobre as relações teoria-prática:
- Sera
que a extensão da educação para todas as idades tem
a mesma relação
descendente, em sentido único? Seria ela um
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
143
prolongamento da formação
escolar em perpetuidade contra a
qual se revoltava Illich?
- Ou
será outra coisa? Mas o quê? As relações entre teoria e prática são mais
complexas? Ao menos num duplo sentido:
descendente mas também
ascendente? Cíclicas? Alternantes? Recursivas? Aprendemos dentro dessas práticas?
Como? Qual
ligação com as abordagens
teóricas?
Há uns trinta anos, em todos os continentes, essa
necessidade de incluir a
educação permanente nas práticas da vida adulta suscitou estudos teóricos que
forjaram novos conceitos:
- Conscientização: para
brasileiros, que foi a origem, penso
eu, de uma das principais
correntes pedagógicas modernas com
Paulo Freire como figura
principal.
- Experimental learning: na América do
Norte com Kolb e Réflexives Practionners com Shön.
- Formação experiencial: teoria
tripolar da formação, por
si, os outros e as
coisas. Reconhecimento do adquirido na França
e na Europa.
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
144
Essas
novas correntes e conceitos tentam teorizar as
práticas da educação
permanente. Elas indicam que as relações
entre a teoria e a prática
são mais complexas que num sentido
único e descendente.
Tentemos
prosseguir na solução desse problema, de forma a
1.
retomar uma definição um pouco mais minuciosa da
educação permanente;
2.
evocar um modelo antigo mas sempre em ação;
2.
citar os
estudos mais modernos de construção do sistema
de interface.
A EDUCAÇÃO PERMANENTE OU DUPLA ABERTURA - TEMPORAL E
ESPACIAL - DO MElO EDUCATIVO
No início
dos anos 70, o reconhecimento - ao menos pela UNESCO - da educação permanente
como princípio das políticas educativas futuras, abre duplamente o campo
educativo instituído.
Primeiramente
uma ahertura temporal dos aprendizados adquiridos ao longo de toda a vida.
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
145
Essa
abertura temporal acrescenta pela menos 60 ou 70, até mesmo 80 anos, à idade
educativa inicial (infância e
adolescência). Ela
triplica ou quadruplica o tempo considerado normalmente como educativo. Esse
tempo de 20 ou 30 anos
torna-se um tempo de formação
inicial acompanhado do tempo de formação continua, de 60, 70 ou 80 em função da
duração de
vida. Um tempo de formação
continua bem diferente, conforme tenhamos 30, 40, 50, 60 ou 70 anos. Somente a
passagem da vida adulta, da vida profissional para a vida pós-adulta e pós-trabalho
assalariado levanta uma série de problemas práticos e teóricos relativamente
inéditos.
Mas
existe também uma abertura - espacial - em todos os
tipos de prática.
Pensamos raramente nesse tipo de abertura que permanece muitas vezes virtual. A
educação permanente é não
somente a abertura para
todas as idades, mas também para todos
os setores profissionais,
políticos, artísticos, religiosos, em nível nacional e internacional; no plano
micro, mas também no macro. Existe uma espécie de mundialização do espaço vivi
do - na
prática ou no virtual -
que obriga novos aprendizados em todos os setores da vida.
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
146
A
maioria dos modelos teóricos herdados não conseguem
mais dar sentido às suas práticas.
O sentido deve ser construido
com as práticas e com os
pedaços de teoria que surgem na mídia.
Há ainda os fins antigos
pertinentes que precisam ser conjugados
com os novos emergentes.
Estamos numa transição de
paradigmas. As novas
relações entre teoria e prática estabelecem-
se de forma complexa e em
duplo sentido: cíclico, retroativo,
dialético e alternante
(Fig. 2).

MODELO PLATÔNICO DA
EDUCAÇÃO PERMANENTE E DA ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA
Na
abertura desta transição paradigmática da educação que podemos situar no início
dos anos 70, eu me encontrava junto a
uma equipe de pesquisa em
educação permanente ligada à
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
147
Universidade de Montreal,
no Quebec, Canadá. Fazia um estudo bibliográfico das fontes teóricas de educação
permanente, que
serviu, em 1977, para a
elaboração de meu livro "Education ou aliénation permanente: repères
mythiques et politiques". Eu havia coletado uma centena de documentos,
sobretudo de artigos,
daquilo que chamamos de
velharia. Em vários deles, eu
encontrava a referência a
um grande ancestral, Platão. Muitos
diziam que Platão já
teria falado em tal assunto, mas ninguém
indicava precisamente
onde, nem como.
Uma
noite, decidi entrar na biblioteca de filosofia da
Universidade de Montreal
e pesquisar as obras de Platão. Tive a surpresa e a satisfação de ver que Platão
não só havia citado como construído um dos modelos teóricos mais desenvolvidos,
mais
explícitos e mais
potentes que eu jamais havia encontrado. Ele
chama esse modelo de
longo circuito educativo — por oposição ao circuito curto da Academia para
jovens — que ele já havia,
inclusive, contribuído a
instaurar. Esse longo circuito educativo constitui a dimensão educativa do mito
da Caverna, muitas vezes interpretado sob um aspecto epistemológico opondo a
teoria
simbólica das idéias imutáveis
e eternas às práticas materiais
opacas, símbolo de um
porvir aleatório e incompreensível.
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
148
Relembremos rapidamente o
lugar e a história desse mito na
obra de Platão.
Ele se
situa em A Republica (cap. 6) que é um livro
político. Platão, na
dinâmica da democracia ateniense nascente,
busca a melhor forma de
organização social. Ele já havi a tentado
várias formas políticas,
com um único homem no poder
(monarquia), alguns
(oligarquia), 0 povo (democracia). Ele se
confrontou em Siracusa
com os limites do poder de um único
homem (Denys, o tirano)
para organizar uma cidade, após ter sido confrontado em Atenas com os limites
de um grupo (a oligarquia
dos Trinta) ou de um povo
(a democracia). A fundação da
academia segue seus
primeiros passos e revela a fé que Platão
concede então para a ação
educativa, meio de assentar o poder
pela saber.
É preciso de algo mais que um organismo político, é preciso
o saber e, então, a
educação. Ele é inspirado pela ascensão do
poder no saber e quer
fundar uma epistemocracia. Ele fundou uma
das primeiras escolas
para líderes - a academia - mas seus efeitos
não foram convincentes.
Então, inicia um diagnóstico mais aprofundado, para tentar entender a situação
humana de forma
mais ampla, de modo a
propor uma solução ao problema.
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
149
O mito da Caverna pretende representar essa situação
humana e o meio de
organizá-la de maneira otimizada, por meio
do longo circuito
educativo. Vejamos primeiramente a
modelizaçao, o mapa que
ele traça dessa situação.
O CENÁRIO DO
MITO DA CAVERNA
O mito da caverna (Fig. 3) articula de forma antagônica
dois mundos que possuem
tempos diferentes, ou seja, o tempo da caverna é a imagem móvel da eternidade,
imagem mutante, inconsistente, não organizada, incompreensível. A caverna é o
arquétipo da matriz
maternal e também do túmulo, símbolo dos nascimentos, das mortes, dos acasos,
transformações e
decomposições do porvir. O reforço
trazido a esse simbolismo por aquele das trevas torna a situação incompreensível
e, então,
inviável: "Quando a
alma se dirige ao que é mesclado com a obscuridade, ao que nasce e se termina,
ela só têm opiniões, ela vê turvo, ela varia e passa de uma extremidade para a
outra, parece
ter perdido toda a sua
inteligência" (R VI, 508d).
Assim
é que nós somos envoltos pelas massas de chumbo,
"que são da familia
do porvir". Mas existe, fora da caverna
tenebrosa, atrás dos
prisioneiros e na altura, um outro mundo,
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
150
simbolizado
pelo céu e o Sol, onde o ser das coisas é imutável, eterno, iluminante e tornando inteligível o porvir
das sombras.
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
151
Espaço pleno, redondo,
imutável
|
Símbolo do ser
transcendental, imutável,informante
|
Pólo formal da vida ideal/idealizável
Teorética, contemplação, espiritual, abstata
|
Espaco luminoso,
caloroso, energizante
|
|
- carregado
positivamente: em altura, em cheio, em luz, que carrega positivamente
- a cabeça, aposição
da cabeça: palavra, audição, visão
- as práticas não
manuais da vida reflexiva: estudo, arte, meditação e ciência
- os saberes
autonomizados racionais, conceituais
- o homem, o pai, o
chefe que impõe lei, o sentido
|
|
|
|
|
|
Pólo material da vida cotidiana, ativa, corporal,
experiencial
|
• Espaços de bojo do
porvir: da vida
movente, mutante,
cambiante
• Espaço sombrio, sem
visào clara, sem
sentido evidente
(direçao, significação)
|
Simbolo do berço et da
sepultura
Simbolo da noite, dos
significados, do
negativo da vida
|
- carregado
negativamente —
embaixo, no oco, em negro, que carrega
também negatividade
- as partes, os
sentidos mais materiais do corpo, da mão, do sexo, do tocar
- as práticas
domésticas, práticas laborais
- os saberes
incorporados, os conhecimentos, o
imaginário
- as muheres que dão
a vida sensível, mas sem direção
|
shapeType75fBehindDocument1pWrapPolygonVertices8;12;(21180,21491);(0,21491);(0,10738);(1215,10738);(1215,2469);(4911,2469);(4911,545);(5822,545);(5822,0);(21500,0);(21500,12116);(21180,12116)posrelh0posrelv0p
Figura 3 - O cenário: o
mito da caverna de Platão
Cadernos
de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
Page 151 image

152
Ver e
contemplar este ser das coisas, sua essência, é o único
meio de conhecê-las, de
conhecer sua organização, seu arranjo e, então, organizar a vida na cavema, a
vida individual e a vida
coletiva, em função da
justiça, quer dizer, em função de sua ideal idéia: "Olhando e contemplando
os objetos agenciados e
imutáveis, que não se
maltratam uns aos outros, mas estão todos
sob a lei da ordem e da
razão, nós os imitamos e nós nos tornamos
o máximo possível
parecido com eles" (R VI, 500c).
Mas os
dois mundos são separados, distantes e em desnível.
Existe, entretanto, um
intermediário, ou seja, uma entidade
mediadora que resume os
caracteres opostos e facilita a sua
junção. Esse intermediário
é a alma que possui " ... uma faculdade
de aprender e um órgão ao
seu dispor". Infelizmente, essa alma é também ligada ao mundo do porvir.
Portanto, é então preciso uma ação específica para garantir suas condições de
exercicio. Essa
ação específica é a razão
de ser da educação: "A educação é a arte
de manobrar esse órgão e
de encontrar assim o método mais fácil
e/ou eficaz" (R VI,
518d).
É por isso que a educação é " ... a grande e única
prescrição
ou mais exatamente a
prescrição suficiente" (R V, 423e). E
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
153
somente ela pode levar
para esse mundo imutável, relacionar com
os modelos originais e
assim permitir o dominio do porvir. Isso
com a condição que os
"educandos" retornem (re-desçam) à
caverna para revelar a
cada sombra a sua verdade.
Esse
quadro simbólico das condições de exercicio da arte educativa visualiza o longo
circuito, mais do que o conceitualiza,
em função de um certo número
de significantes que compõe uma imagem de referência muito precisamente
organizada.
Essa
visualização do longo circuito dentro de uma espécie
de imagem espinhal que lhe
assegura a preponderância da visão é
aquela de um
discernimento unitário, sintético que reúne as
divisões que o discurso
opera para desenvolver os diferentes
elementos. Ela o introduz
no imaginário social como a
organização de um certo número
de esquemas e arquétipos que incorporam sentido e sujeitos dentro de uma situação
comum.
Mais do que a natureza
dos esquemas e dos arquétipos, é a
introdução desse longo
circuito como organização que nos parece
de finir o lugar da
educação permanente dentro do imaginário social.
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
154
o LONGO CIRCUITO EDUCATIVO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICO
Esse
longo circuito (Fig. 4) se situa entre dois grupos de arquétipos antagônicos:
aquele da caverna e das trevas, por um
lado, e aquele do céu e
do Sol, por outro lado. Insistimos sobre o simbolismo temporal desses dois grupos de arquétipos: um representando o porvir
alienador e o outro o ser envolvedor. A
arte educativa e o longo
circuito são vistos como o meio que une dialeticamente esses dois antagonismos.
Vale relembrar o titulo "Aprender
a ser" do relatório da UNESCO,
criador moderno da educação permanente, para ilustrar a permanência dos
esquemas
e mostrar como os
arquétipos podem constituir a "zona matricial
da idéia".
Além
desse simbolismo temporal, esses dois grupos
levantam também
diretamente o símbolo da mãe e do pai, da
feminidade e da
masculinidade, da noite e do dia, do dentro e do
fora, do embaixo e do em
cima, do negativo e do positivo, da
matéria e do espírito, da
ação e da contemplação, da prática e da
teoria. O objetivo de
articular esses opostos que persegue a arte educativa não deve omitir o meio, o
circuito proposto. De fato,
esse circuito preconiza
um itinerário que, isolando e privilegiando
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
155
certos gestos, vai profundamente
orientar e estruturar o
imaginário socioeducativo
ocidental.
Aos
gestos de redirecionamento, de saida, que provocam a
ruptura dos laços,
corresponde o esquema de ascensão junto aos simbolismos de ruptura, de separação,
de saída, de evasão, de
liberação. Esse esquema
preconiza, então, como ponto de partida,
uma educação masculina,
paterna mais do que feminina, materna;
uma educação pelas
realidades do dia mais do que aquelas da
noite; em ilhotas
culturais mais do que sobre o terreno; visando às alturas antes da arrumação da
base; buscando os recursos do
positivo antes de
trabalhar o negativo; a formação do espirito
antes daquela da matéria;
da teoria antes da prática.
Ao
novo exercício da vista corresponde o esquema
luminoso que estabelece
uma correspondência hierárquica para
Platão entre o visível e
o inteligível, o primeiro sendo a condição
do segundo, condição que
antecede, preparatória do exercício da
razão, pois a visão de um
órgão estabelece uma primeira
separação necessária das
coisas sensíveis. Esse esquema
privilegia, em detrimento
dos outros, o exercício de um sentido
como meio de educação,
mas, sobretudo, ele privilegia um certo
tipo de conhecimento,
claro, frio, distinto, separado, "longe de
Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE – UFES
|
Vitória
|
v.8
|
n.15
|
p.140-172
|
Jan./jun/2002
|
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire